terça-feira, 28 de setembro de 2010

Eleições 2010 - Tragédia e Farsa


     
           O ilustre pensador alemão Karl Marx, inicia sua obra intitulada O 18 brumário de Luís Bonaparte com a seguinte afirmação: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa” (o itálico é nosso). Marx se referia ao fato de Luís Bonaparte – sobrinho do famoso Napoleão – ter se valido de “mecanismo” semelhante ao utilizado pelo tio para se manter no poder, vestindo o manto de Imperador da França, através de um Golpe de Estado. O autor alemão percorre ao longo da referida obra o cenário político da França na primeira metade do século XIX, desvendando os meandros da política francesa, bem como as composições e posicionamentos das classes sociais daquele país, que teve como desfecho final a nomeação de Luís Bonaparte, em 1852, Imperador da França. Apesar de fundamental para os estudiosos da Ciência Política, o nosso intuito aqui não é discutir o livro de Karl Marx, mas sim a realidade brasileira na atualidade, especificamente a disputa eleitoral em andamento.
            De todo modo, o raciocínio desenvolvido por Marx nos servirá de alicerce para sedimentar o que procuraremos argumentar. Pelo andar da carruagem, caso não haja nenhum grande colapso na economia mundial, com consequências drásticas para o Brasil, teremos “pela primeira vez na história desse país” – parafraseando alguém bem conhecido – uma presidente mulher!!! Sem dúvida é algo novo, ainda mais em um país onde o patriarcalismo, e toda forma de preconceito machista que dele se desdobra, está cravado historicamente nas relações sociais brasileiras. Mas, em política, o que menos interessa é o nome ou o sexo dos candidatos. Sem dúvida que não podemos negar o papel desempenhado pelas “imagens” dos mesmos, trabalho que oferece rentáveis empregos às agências de marketing. No entanto, o que de fato carece de ser analisado é a composição político-social que se coaduna em torno dos candidatos. Ou, dito de maneira mais simples, trata-se de avaliar e analisar os setores econômico-sociais que apóiam este ou aquele candidato, seus projetos político-econômicos, a ideologia que defendem, e assim por diante. É nesse sentido que podemos dizer que o raciocínio do autor alemão citado no início deste texto, pode nos fornecer pistas para compreender o atual quadro sucessório brasileiro. Quando pensamos em projeto político e econômico, podemos dizer que, em linhas gerais, a mesma matriz teórica vem sendo aplicada desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 1995. De lá para cá, as diferenças e ajustes no modelo foram conjunturais, ou seja, as medidas tomadas pelos que estiveram à frente do Palácio do Planalto – e é sempre bom lembrar que apenas dois se “revezaram” nesse período – serviram como forma de responder às demandas externas e internas, adaptando a realidade brasileira ao atual desenvolvimento do capitalismo. De forma muito sintética, podemos dizer que o modelo econômico se assenta na inserção da economia brasileira no cenário internacional; para tanto, o país, ao longo de 16 anos, vem seguindo à risca o receituário dos principais organismos internacionais, sobretudo do Fundo Monetário Internacional, o FMI. Medidas como estabilização da moeda, saneamento das contas públicas, o que significou maior arrecadação de impostos e menores gastos com o setor público, privatizações, juros altos, metas de superávit primário, elevação das exportações, entre outras, estiveram sempre presentes nos últimos quatro mandatos presidenciais, período em que PSDB e PT estiveram no poder. No plano imediatamente político, as práticas também foram semelhantes; fala-se muito hoje dos escândalos envolvendo aliados do governo Lula, que usa de todos os artifícios para negar os fatos. Sem dúvida estes são mais recentes e são mais fáceis de serem lembrados. Mas, do mesmo modo, escândalos envolveram o governo e os aliados de Fernando Henrique Cardoso, que também lançou mão da “blindagem” política, tão criticada atualmente. A negociação de Ministérios e cargos políticos de importância, também foi, é, e será, uma prática comum. Eis a grande questão: a tragédia se reproduz como farsa no Brasil há, no mínimo, 16 anos, e os dois candidatos com chances reais de chegarem à presidência este ano, fazem parte dos dois partidos responsáveis pelo atual quadro social brasileiro, PSDB e PT. Aliás, se há um aspecto que diferencia o governo dos dois partidos, este se refere à eficácia alcançada; neste quesito, o governo petista leva vantagem, pois as condições – principalmente as externas – foram extremamente favoráveis à Lula, o que permitiu ao governo aprofundar o principal programa social, cujo caráter também é semelhantemente presente nos dois partidos, o Bolsa Família, programa eufemisticamente denominado como “transferência de renda”, mas que possui uma característica claramente assistencialista.
            Diante desse quadro, podemos entender a dificuldade encontrada pela candidatura de José Serra em criticar o atual governo; os projetos são semelhantes e o PT foi mais bem sucedido em sua aplicação. Tanto é assim que, a despeito dos autos índices de popularidade do governo Lula entre os setores mais pobres, aproximadamente 70% dos empresários brasileiros aprovam o governo petista. É o que nos informam as pesquisas de opinião pública. Assim, dificilmente o quadro eleitoral será revertido. No entanto, para quem pensa num país onde setores fundamentais como saúde e educação sejam, de fato, valorizados, a escolha eleitoral deve buscar alternativas ao modelo atualmente vigente!


Nôri Nello

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