Um dos pilares da historiografia tradicional é a criação de “heróis”. Estes estão necessariamente relacionados a datas e acontecimentos que, de alguma forma, marcaram a história. Essa forma de analise se utiliza de uma metodologia de pura descrição dos acontecimentos e sucessão dos fatos, sendo que os ditos “heróis” se encaixam – muitas vezes de forma absurda – nas narrativas. Foi assim que a História do Brasil nos foi ensinada durante muito tempo, onde a obrigação do aluno era a de decorar os nomes dos supostos “heróis” e seus respectivos feitos. Talvez seja por esse motivo que tal campo do conhecimento tenha se transformado em algo enfadonho, cansativo, vulgarmente identificado como “decoreba”. Ideologicamente, a história tradicionalmente repetida, serviu – e ainda serve – como um bom instrumento de dominação e manutenção do status quo. Um dos maiores desafios dos profissionais que hoje atuam na área das Ciências Sociais – na qual se insere a história – é a superação desse paradigma, propondo uma “análise concreta da realidade concreta”, relacionando os verdadeiros interesses político-econômicos que movimentam o devir da processualidade histórica.
Esse preâmbulo se faz necessário devido ao tema que nos propusemos a dissertar, mesmo que de forma breve, qual seja, o que a historiografia tradicional denominou Revolução Constitucionalista de 1932. Os combatentes paulistas sempre foram tratados como heróis que lutaram contra o ditador Getúlio Vargas; lutavam pela legalidade constitucional – afinal, já se passara dois anos desde a tomada do poder e Vargas não convocara uma nova Assembléia Constituinte –, pela liberdade, não só dos paulistas, mas de toda a nação. Os ícones: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, quatro estudantes que tiveram suas vidas ceifadas pelas forças pró-Getúlio, emprestam seus nomes à monumentos, ruas e praças espalhadas por todo o Estado de São Paulo. Não podemos questionar a bravura daqueles que tombaram diante das tropas legalistas. O que podemos e devemos questionar são os verdadeiros interesses que estiveram envoltos na revolta paulista. Estava em jogo o projeto político-econômico do país. Os cafeicultores paulistas haviam sido apeados do poder pelo Golpe de Estado de 1930, depois de mais de 30 anos de domínio e exploração da sociedade brasileira. Getúlio Vargas lidera o movimento que propõe a modernização do Brasil – mesmo que esta possua um conteúdo radicalmente conservador. A vaga constitucional serviu como elemento aglutinador e condensador de insatisfações políticas, que foram usadas contra o governo federal. Os barões do café souberam tirar proveito de tal conjuntura e tentaram voltar ao poder; através de um “contra-golpe”, propunham a deposição de Vargas, mas foram rapidamente derrotados. Getúlio saiu vitorioso e a nova Constituição só foi promulgada em 1934; as reformas implementadas por seu governo visavam mudar a estrutura econômica do país, sem mudanças sociais (característica esta própria da formação histórica do Brasil), uma mudança “pelo alto”, que excluía as camadas mais pobres da sociedade, por isso podemos dizer que esta se caracteriza como uma modernização conservadora. Já os cafeicultores, além de excluírem os trabalhadores brasileiros de qualquer possibilidade de desenvolvimento econômico ou participação política, desejavam reestruturar a famigerada “Política do Café-com-Leite”, que lhes permitiu o domínio total do país no período da República Velha.
Portanto, caros leitores, os nossos “heróis” são movidos por interesses de classe que, na maioria das vezes, não coincidem com os interesses da maioria da população. Sendo assim, podem ter sido (e são) “heróis” para alguns, mas não para todos.
"Nôri Nello"

Nenhum comentário:
Postar um comentário